É do conhecimento de toda a sociedade que a Educação vem sendo uma das áreas mais impactadas pela crise sanitária que temos atravessado ao longo dos últimos dois anos. No decorrer deste período, a pandemia expôs e, em grande medida, acirrou, o cenário de desigualdades já estruturante da educação nacional, sobretudo quando se trata daquela ofertada pelas escolas públicas. A necessidade de suspensão das aulas durante tanto tempo nos obrigou a ver a importância da escola, muito além do que é considerado seu foco principal: a formação dos estudantes.

O fechamento das escolas impactou fortemente a dinâmica das famílias e dos estudantes em diferentes aspectos, dos quais destaco alguns que considero servirem melhor à nossa reflexão:

  • Insegurança alimentar: associada à queda na renda das famílias, a piora da situação de alimentação de crianças e adolescentes foi acentuada pela falta do acesso à merenda escolar. De acordo com a pesquisa Impactos Primários e Secundários da Covid-19 em Crianças e Adolescentes, realizada pelo Ibope Inteligência para o UNICEF, entre as famílias que recebem até um salário mínimo, 42% deixaram de ter acesso à merenda escolar na pandemia, fundamental para garantir a segurança alimentar de crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade.[1]
  • Maior exposição à violência: o fechamento das escolas fez com que as crianças e adolescentes ficassem mais próximos de seus agressores, o que pode ter contribuído para o aumento da violência contra crianças durante a pandemia[2]. Segundo um estudo sobre a ocorrência de violências contra vulneráveis, realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), o Instituto Sou da Paz e o Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP)[3], 84% dos casos de violência ocorrem dentro da própria residência e 75% das denúncias de violência são de estupro. Para os especialistas, o fechamento das escolas foi um vetor para a diminuição de denúncias, já que os professores contribuem na identificação da vítima e na tomada de providências para encaminhamento dos casos de violências.
  • Exclusão escolar, abandono e evasão: a pesquisa Cenário da Exclusão Escolar no Brasil – Um alerta sobre os impactos da pandemia da Covid-19 na Educação[4] indica que 5,1 milhões de meninas e meninos de 6 a 17 anos ficaram fora da escola em 2020, em comparação a 2019, quando havia quase 1,1 milhão crianças nessa condição. Entre os motivos que contribuíram para o aumento exponencial desse dado, estão a falta de acesso à internet e o agravamento da situação de pobreza, entre outros fatores. Desse total, mais de 40% correspondiam a crianças na faixa etária dos 6 aos 10 anos, etapa em que a educação estava praticamente universalizada antes da pandemia.

 

Além destes desafios que destacamos, foi possível também constatar o despreparo das redes públicas de ensino para lidarem com o contexto de crise, que exigiu respostas rápidas para que se garantisse o direito à educação previsto na Constituição Federal de 1988. Problemas como a falta de investimentos na infraestrutura das escolas, as dificuldades dos professores em lidarem com as novas tecnologias, além das limitações no acesso a equipamentos como notebooks e tablets, e de acesso à internet, tanto por parte dos professores, quanto dos estudantes, comprometeram profundamente a formação e o desenvolvimento das crianças, adolescentes e jovens em idade escolar.

 

Como os programas de voluntariado corporativo podem contribuir para a superação destes desafios?

A pandemia provocou impactos sociais de grande complexidade, que só poderão ser solucionados por meio de agendas intersetoriais envolvendo os diferentes agentes na criação de alternativas para a recuperação das perdas sofridas pelos estudantes e suas famílias – sejam relativas à aprendizagem, sejam relativas ao próprio vínculo com a escola, além de precisarmos considerar também os impactos na saúde mental e mesmo física das crianças, adolescentes e jovens, em função de todas as mudanças decorridas do contexto sanitário global. No entanto, a sociedade civil organizada – e aqui incluo os programas de voluntariado corporativo – tem um papel fundamental na agenda de superação desses desafios, em função de sua atuação mais próxima aos segmentos populacionais mais atingidos por este contexto. Neste sentido, elenco a seguir alguns pontos que podem servir como norteadores ao planejamento e prospecção de ações voluntárias que tenham como objetivo contribuir para a redução dos danos oriundos da pandemia:

 

 

No esquema acima, estão organizados três eixos de atuação que agregam diferentes desafios criados, ou acentuados no decorrer do processo pandêmico. No eixo “Campanhas”, são consideradas as ações voltadas à doação e à promoção do conhecimento acerca dos impactos da pandemia – neste âmbito, podem ser planejadas e desenvolvidas ações para arrecadação de mantimentos ou de equipamentos eletrônicos, que poderão ser doados às famílias mais vulneráveis e estudantes, podendo ser a própria escola um ponto de referência para a realização dessas atividades voluntárias. As campanhas para a difusão de informações também são de extrema relevância, uma vez que grande parte das populações mais vulneráveis não tem conhecimento acerca de seus direitos e desconhecem os caminhos para acessá-los.

O eixo “Processos de Mentoria” articula ações de caráter interdisciplinar, que podem contar com os saberes circulantes nas próprias equipes de voluntariado, aplicando estes conhecimentos de forma estruturada para apoiar, sobretudo jovens e adultos em seus processos de desenvolvimento pessoal e profissional. Os prejuízos emocionais e cognitivos advindos da pandemia dificilmente poderão ser mensurados com precisão, mas sabemos que as experiências de isolamento, distanciamento e luto, além da privação de alimentos e de renda podem provocar efeitos devastadores na saúde mental, diminuindo a autoconfiança, a autoestima e capacidade de projetar-se no futuro, de sonhar, em suma.

Por fim, o eixo “Incidência Política” trata das possibilidades de atuação das equipes de voluntariado corporativo junto aos poderes públicos e demais setores produtivos, no sentido de atuarem para influenciar os processos de tomada de decisão desses diferentes atores, visando contribuir para a formulação de políticas e programas que construam alternativas e soluções ao problemas acentuados pela pandemia, como a necessidade de qualificar e consolidar a relação entre as práticas de ensino e o uso das novas tecnologias e, também, de ampliação do acesso à internet de banda larga por toda a população, inclusive nos espaços públicos, por exemplo.

Como podemos ver, os desafios são enormes e de alta complexidade, porém não são maiores do que nossa esperança e nosso desejo de intervir nessa realidade, de modo a transformá-la para melhor. Temos um cenário que nos convoca à ação colaborativa, cooperativa, participativa e voluntária e, em meio a este contexto, segue firme a certeza de que é pela construção de redes de solidariedade que encontraremos os caminhos para a superação desses tempos de incerteza.

MATÉRIA POR:

Ana Muniz

Doutoranda em Educação pela PUC-Rio e Gerente da área de Educação do CIEDS

 

 

Para saber mais:

Fechamento das escolas:

Cenário da Exclusão Escolar no Brasil – Um alerta sobre os impactos da pandemia da Covid-19 na Educação

Impactos na alfabetização:

Impactos da pandemia no Ensino Médio

 

 

[1]https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/unicef-alerta-situacao-de-criancas-e-adolescentes-se-agravou-consideravelmente-apos-nove-meses-pandemia (Acesso em 01/12/2021)

[2] https://agemt.pucsp.br/noticias/violencia-contra-criancas-aumenta-durante-pandemia-no-brasil (Acesso em 01/12/2021)

[3] https://soudapaz.org/o-que-fazemos/conhecer/analises-e-estudos/analises-e-estatisticas/boletim-sou-da-paz-analisa/?show=documentos#4484 (Acesso em 01/12/2021)

[4] https://www.unicef.org/brazil/relatorios/cenario-da-exclusao-escolar-no-brasil (Acesso em 01/12/2021)